“Pra quem acha a América Latina complicada”
O Alon exagerou no final, mas é um bom texto pra começar a discutir a presença do iraniano no Brasil em breve.
Já o Premier israelense foi soterrado pelo blecaute. Uma pena. Agora o Itamarati trazer os três (Shimon Perez, Mahamoud Abbas e Mahmoud Ahmadinejad) quase simultaneamente foi uma jogada de mestre.
sábado, 14 de novembro de 2009
A História e sua caçamba (15/11)
A atitude de Lula diante do Irã será avaliada no futuro conforme o desfecho da trama. Nesse assunto nosso governo é movido a dinheiro, não a ideologia
A diplomacia é também, e talvez principalmente, a arte de prever cenários.
Neville Chamberlain foi o primeiro-ministro britânico que assinou o Pacto de Munique com Adolf Hitler em setembro de 1938 e entregou a Tchecoslováquia ao líder nazista na esperança de apaziguá-lo. Foi recebido em Londres na volta como heroi, um campeão da paz. Só que suas fotos desembarcando e agitando o papelucho do acordo com o Führer -e seu discurso sobre a “paz para o nosso tempo”- passaram à História como ícones do fracasso, do ridículo.
Dali a um ano o Reino Unido era obrigado a entrar em guerra com a Alemanha, quando esta invadiu a Polônia.
E se o desfecho tivesse sido outro? E se, como desejavam britânicos e franceses em Munique, a Alemanha atacasse a União Soviética e depois, saciada de “espaço vital”, aceitasse a paz com os vizinhos da Europa Ocidental? Chamberlain e seu colega francês, Édouard Daladier, teriam se imortalizado como gigantes da estratégia. Os estadistas que desviaram Hitler para leste e deram cabo de Joseph Stalin sem derramar uma gota de sangue inglês ou francês. Gênios.
Daqui a alguns dias, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, visita o Brasil. Receber o polêmico líder iraniano é mais um passo da diplomacia brasileira para projetar a imagem do país como peça importante no tabuleiro. E a aproximação entre Brasília e Teerã tem a simpatia ativa da Casa Branca, que vê nas relações de Luiz Inácio Lula da Silva com Ahmadinejad um mecanismo a mais de contenção do presidente persa.
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O governo brasileiro responde aos protestos contra a visita argumentando que não é nossa tradição filtrar ideologicamente os parceiros de outros países. É um fato. Nem a circunstância de adotar posição diametralmente oposta em Honduras deve servir como pretexto ou desculpa: a história da diplomacia brasileira tem sido cada vez mais a história da defesa da autodeterminação dos países e dos povos. Isso nos rendeu, por exemplo, uma relação privilegiada com as ex-colônias portuguesas na África.
O que está em jogo na visita de Ahmadinejad não são só, nem principalmente, teses sobre o Holocausto ou sobre o futuro do Oriente Médio. O Brasil busca agressivamente relações econômicas com o mundo árabe e a Pérsia. E Lula concluiu que seria adequado oferecer aqui a Ahmadinejad mesuras e gentilezas que o negacionista do Holocausto dificilmente receberia em outro país da dimensão e da importância do Brasil.
Tudo, repito, combinado com a Casa Branca. Que opera adequadamente, à luz de seus interesses. Se se pode tirar a castanha do fogo com a mão do gato, por que chamuscar a própria?
Não é a primeira vez que o Brasil joga um jogo assim. Foi igual com Saddam Hussein, o que transformou o Iraque da época num paraíso para os exportadores brasileiros. O paraíso do Passat e do frango. E também um eldorado para empreiteiras nacionais. Só que certo dia o presidente iraquiano teve a péssima ideia de invadir o Kuait. E o Brasil foi pego no contrapé, na contramão. Hoje o Iraque tem problemas de todos os tamanhos e tipos, e seu futuro é duvidoso. Nem se sabe se continuará a existir como nação. Mas uma coisa é certeza: nossa presença e influência ali são nulas. E sem perspectiva de futuro.
Se o Irã caminhar para um entendimento com as grandes potências, se abdicar do vetor nuclear como instrumento de hegemonia e agressão regional -e confessional- e se retomar os vetores democráticos da Revolução de 1979 as empresas brasileiras terão aberto um lindo mercado e Lula comparecerá aos livros de História como alguém que enxergou longe, enfrentando as incompreensões.
Se Ahmadinejad preferir o caminho da ditadura e envergar a fantasia de um Saddam Hussein com -agora sim!- armas nucleares é possível que na Pérsia do futuro, assim como no Iraque de hoje, a influência brasileira vá ser comparável, digamos, à do Lichtenstein. Ou de Andorra. Mais ou menos o que acontece agora em Honduras.
E o retrato do Lula sorridente com Ahmadinejad no tapete vermelho de Brasília irá repousar na mesma caçamba da História onde descansa a foto da chegada de Neville Chamberlain, e seu papelucho assinado por Hitler, ao aeródromo de Heston, periferia de Londres, naquele hoje distante 30 de setembro de 1938.
Coluna (Nas entrelinhas) na edição deste domingo no Correio Braziliense.
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