A maquinaria social de Lula27/10/2009 – 01:08 | Enviado por: Mauro Santayana
Por Cristian Klein
Como dito na coluna de ontem, se pudéssemos transpor a figura do empresário, imaginada por Schumpeter, do âmbito da economia para o da política, a trajetória do presidente Lula seria um dos exemplos mais ilustrativos do executivo descrito no Capitalismo, socialismo e democracia (1942). É neste livro que o austríaco defende a ideia de que o sistema capitalista tem sobrevivido ao longo dos séculos por meio da “destruição criativa”. Ou seja, velhas técnicas, tecnologias e produtos são substituídos, de modo cíclico, por novos modelos, numa constante mutação. O segredo do capitalismo é sempre mudar para continuar o mesmo. A figura responsável por essa máquina é o empresário. Não o simples dono de empresa. Mas o executivo, o empreendedor, que faz da inovação seu melhor negócio. Sua origem social não importa. Ele pode vir tanto das classes mais altas quanto das mais baixas. Afinal, o sistema, em seu formato idealmente competitivo, é aberto. Como a democracia, que permitiu a ascensão de Lula – da pobreza ao Planalto.
O empresário inovador schumpeteriano é aquele capaz de realizar mudanças de impacto. Como Henry Ford, com a linha de produção, Graham Bell, com a linha de telefone, e, mais recentemente, Bill Gates, com o sistema operacional Windows. Foram inovações que alteraram hábitos de consumo e de comportamento e atingiram grande parte da população.
Analogias entre o mundo da economia e o da política são sempre tentadoras. Partidos como empresas. Políticos como empresários. Instituições como agências reguladoras. Um mercado de eleitores, em que se maximizam votos; em contraponto ao mercado de consumidores, em que se potencializam lucros. Mas as semelhanças são tão marcantes quanto as diferenças. Uma arguta observação de Carl Schmitt, brilhante pensador e ideólogo que serviu ao Terceiro Reich nazista, afirma que a política se dá sob a dicotomia amigo versus inimigo. A economia oscila entre o lucro e o prejuízo; o reino da estética entre o belo e o feio.
Um dos principais contrastes, no entanto, entre o mundo da economia e o da política é que, enquanto as trocas econômicas são realizadas livremente no mercado, a decisão política, uma vez escolhido o governo, é imposta a todos. Mesmo àqueles que não quiseram comprar o “produto” (um político, um partido, uma política pública).
Nesse sentido, à primeira vista, poderia imaginar-se ser muito mais fácil, pela imposição, introduzir inovações na política do que na economia. Não é o caso. A política, por envolver jogo de interesses e conflito social, amarra as decisões, que quase sempre são fruto de compromissos e negociações entre as partes. O capitalismo é um terreno livre. A democracia é um labirinto.
Há situação e oposição. E há uma variedade de instituições políticas que podem ou não favorecer uma guinada inovadora. É o caso
dos sistemas de governo (parlamentarismo, presidencialismo), eleitoral (majoritário, proporcional) e partidário (bi, multipartidário). Em países como Estados Unidos e Reino Unido, que têm apenas dois partidos efetivos, grandes mudanças na política são mais factíveis. O vencedor ocupa o governo, e o perdedor vai para a oposição. Mas é a combinação dessas instituições que influencia o resultado final. Nos Estados Unidos, um país presidencialista, e logo, com separação de poderes, as guinadas são mais arrastadas. Vide a batalha legislativa travada agora pelo presidente Barack Obama, que tenta introduzir um inédito e amplo sistema de saúde pública no país. Por isso, e pelo modo inovador como chegou ao poder, com novas estratégias de comunicação durante a campanha, Obama parece ser a própria encarnação do empresário schumpeteriano na política.
No Brasil, multipartidário, a necessidade de coalizão é um complicador a mais. As alianças são inevitáveis, embora não precisem ser obrigatoriamente com tantos Judas. Apesar disso, há espaço para inovações. A primeira tentativa de Lula, o Fome Zero, fracassou. Mas sua maquinaria de tecnologia social, com Bolsa Família à frente, já se impôs, e dificilmente poderá ser alterada pelos próximos governos. Lula não é o inventor – como também não é necessariamente o executivo de Schumpeter. Mas soube empreender essa “destruição criativa” na política brasileira.