Hélio Schwarstman – Fé na eleição


“Guerra Santa?”

O erro que os incautos incorrem em misturar fé e política, é amanhã, transformar o país aonde meus dois filhos viverão, em um estado fundamentalista, como aqueles do oriente médio.

Mas quem disse que eles se importam com o futuro?

Folha.com – Hélio Schwartsman – Fé na eleição – 05/10/2010

hélio schwartsman

05/10/2010 – 14h20
Fé na eleição

Deu segundo turno. Isso anima os tucanos, mas não creio que a festa ranfastídea irá durar muito. Se tudo o que já li sobre ciência política e neurociência aplicada a eleições vale alguma coisa, o advento do segundo escrutínio significa apenas que Dilma Rousseff terá de esperar até o fim do mês para comemorar sua assunção à Presidência da República. Para sair derrotada, a candidatura petista precisaria perder eleitores que já conquistara, um fenômeno que até pode ocorrer, mas que é relativamente raro.

Dilma terminou com 47% dos votos válidos. Para atingir a marca dos 50% que a entroniza no Planalto, precisa apenas herdar 1,5 de cada dez simpatizantes de Marina Silva. Colocando de outra forma, Serra precisaria arregimentar algo como 90% dos eleitores do PV para reverter o quadro. Pelas pesquisas das vésperas do primeiro turno, ele de fato incorpora a maioria dos verdes, mas numa proporção inferior à necessária: 50%. Cerca de 30% tendem a migrar para o PT.

Não são, contudo, essas platitudes aritmético-eleitorais que me motivam a escrever a coluna de hoje. A crer no que dizem marqueteiros, pesquisistas e jornalistas, foi a polêmica em torno do aborto que custou a Dilma a vitória no primeiro turno. Insuflados por clérigos que denunciaram o passado pró-abortista da candidata, eleitores religiosos (principalmente evangélicos, mas também católicos) teriam trocado a petista por Marina, genuinamente evangélica e contrária ao aborto desde criancinha. Para não perder a piada, eu diria que votaram na pessoa certa pelas razões erradas. (Recado aos adivinhadores de sufrágio: não, não votei em Marina).

A tese do efeito aborto é verossímil. Infelizmente, é difícil comprová-la porque os dois principais institutos de pesquisa, o Datafolha e o Ibope, na reta final, para reduzir o tempo das entrevistas, deixaram de perguntar aos eleitores a sua fé. O Datafolha excomungou a questão religiosa no final de junho, e o Ibope, em 23 de setembro. Os dados deste último, contudo, chegaram a registrar um esvaziamento de Dilma entre os evangélicos no mês passado.

O fato de o comando petista ter reagido firmemente procurando lideranças religiosas nos últimos dias da campanha e esconjurando a descriminação do aborto de seu programa também é sugestivo de que as sondagens do partido captaram a tendência, deflagrando uma operação de redução de danos.

Se confirmado como um fenômeno de grandes dimensões, seria a primeira vez que a religião se torna uma variável relevante em eleições majoritárias no Brasil. É justamente aí que mora o problema.

Longe de mim sugerir que pastores e padres não têm o direito de convencer seus rebanhos a votar segundo a palavra de Deus, ainda que esta esteja aberta às mais diferentes interpretações, muitas vezes inconciliáveis entre si. A democracia só existe quando as pessoas são livres para dizer o que pensam, mesmo que sejam besteiras ou fantasias delirantes, e o eleitor vota prestando contas apenas à sua consciência. Mas ninguém jamais afirmou que a democracia era a autoestrada para o paraíso. Como celebremente observou o estadista britânico Winston Churchill: ‘Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos’.

O perigo de utilizar uma lógica espiritual para pautar a política é que ela introduz absolutos morais em questões que precisam ser resolvidas de uma perspectiva essencialmente prática, normalmente com recurso a negociações. Em suma, tudo o que não precisamos é trazer para as leis e políticas públicas é a noção de pecado. É claro que existe um equivalente laico do conceito de pecado, que é o crime. A diferença é que, enquanto este último tem uma justificação exclusivamente racional em bases mais ou menos utilitárias e comporta gradações, o primeiro, por ter sido ditado por uma autoridade superior e supostamente incontestável, nos chega na forma de pacotes inegociáveis. De certo modo, pensar religiosamente é negar a política.

A condenação da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani à morte por apedrejamento é um exemplo eloquente do tipo de problema com que estamos lidando. Ao contrário do que muitos possam pensar, atirar pedras em pecadores não é uma crueldade exclusiva do islamismo.

‘Se se encontrar um homem dormindo com uma mulher casada, todos os dois deverão morrer: o homem que dormiu com a mulher, e esta da mesma forma. Assim, tirarás o mal do meio de ti; Se uma virgem se tiver casado, e um homem, encontrando-a na cidade, dormir com ela, conduzireis um e outro à porta da cidade e os apedrejareis até que morram: a donzela, porque, estando na cidade, não gritou, e o homem por ter violado a mulher do próximo. Assim, tirarás o mal do meio de ti’. Essas passagens não foram tiradas do nobre Alcorão, mas da sagrada Bíblia judaico-cristã, mais especificamente do Deuteronômio 22:22-24.

Os muçulmanos não inventaram, portanto, o apedrejamento de adúlteros. Na verdade, o Alcorão determina para quem for apanhado cometendo esse delito uma pena bem mais leve, de apenas cem chicotadas. É o “Hadith” –a narrativa dos atos do profeta que, junto com o Alcorão, constitui a base da “sharia”, a lei islâmica– que autoriza, depois das chibatadas, a lapidação.

Detalhes legais à parte, a diferença entre o islã e o Ocidente hoje é que, enquanto este último assistiu ao longo dos últimos três ou quatro séculos a uma progressiva laicização das instituições e mesmo da vida, o primeiro permanece fiel a suas origens e textos religiosos.

Talvez seja excessivo afirmar que o Ocidente se tornou irreligioso, mas é certo que acabou ficando pouco zeloso nessa matéria. Foi essa oportuna avacalhação que fez com que as fogueiras inquisitoriais não voltassem a acender-se e permitiu que a ciência avançasse por terrenos que antes lhe eram vedados. Vale lembrar que, a depender da Igreja Católica, não teríamos nem ao menos desenvolvido a anatomia, a mais básica das disciplinas médicas.

A grande maioria dos ocidentais não chegou ao ponto de negar a existência de Deus –e dificilmente chegará–, mas relegou o sagrado a uma espécie de limbo. Um europeu típico –nas Américas a coisa é um pouco mais complicada– diz que acredita em Deus e até vai a um culto cristão de vez em quando, mais por hábito do que por convicção profunda. Lê muito pouco a Bíblia e, felizmente, nem mesmo cogita de implementar as passagens que mandam apedrejar adúlteros –ou assassinar ateus, acrescento de olho em meus próprios interesses.

Não é só. Como procurei mostrar numa matéria que escrevi há pouco para a edição impressa da Folha, existe uma correlação negativa forte entre o grau de religiosidade de um país e seu sucesso econômico. Deus e pobreza andam de braços dados. Quem causa o que é uma questão aberta a interpretações.

É dessa pequena revolução iluminista que teve lugar no Ocidente que o islã se ressente. Lá muito mais do que cá, Estado e religião se confundem e tomam-se ao pé da letra as passagens do livro sagrado que descrevem o sofrimento futuro dos infiéis e as determinações do “Hadith” para que os apóstatas sejam assassinados.

Não estou evidentemente nem chegando perto de sugerir que essa novela em torno do aborto –e a vergonhosa capitulação de partidos que sempre defenderam um Estado laico– nos coloca mais perto de uma teocracia. O próprio desenho institucional do país já veta essa possibilidade. Mas não é sem tristeza que assisto à negação da lógica laicista, que é a melhor coisa que aconteceu ao Ocidente nos últimos 300 anos.

Hélio Schwartsman

Hélio Schwartsman, 44 anos, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou “Aquilae Titicans – O Segredo de Avicena – Uma Aventura no Afeganistão” em 2001. Escreve para a Folha.com

Serra é um blefe


“Truco?”

Folha.com – Poder – Intelectual do marketing de Dilma afirma que Serra é um ‘blefe’ – 01/10/2010

01/10/2010 – 03h00
Intelectual do marketing de Dilma afirma que Serra é um ‘blefe’

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

O antropólogo Antonio Risério costuma ser apontado como “o pensador” das campanhas políticas de que participa. Alguém que, na definição de um publicitário veterano em disputas eleitorais, “pode passar uma semana sem escrever um texto, mas na hora certa faz a diferença”.

A campanha de Dilma Rousseff é a terceira presidencial seguida em que trabalha para o PT, como uma espécie de conceituador e redator diferenciado.

Ao lado do amigo João Santana, chefe da equipe de comunicação dilmista, traduz a estratégia política para a linguagem direta e ligeira do marketing.
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O poste e a oposição


“Ein?”


O poste e a oposição — Portal ClippingMP

O poste e a oposição

Celso Ming
O Estado de S. Paulo – 24/11/2009

Até muito recentemente, os analistas políticos recitavam um mantra: “Nem o presidente Lula conseguirá eleger um poste.”

Com isso, pretendiam lembrar que alta popularidade não garante transferência de votos, seja a quem for. Seguia-se que o candidato do presidente Lula teria de ter alguma luz própria para que não dependesse só da energia presidencial.

A ministra Dilma Rousseff nunca participou de uma eleição. Sua força nas urnas é desconhecida. Em todo o caso, já se sabe que, nesse ambiente pré-eleitoral, conta com pelo menos 20% de preferência nas pesquisas de intenção de voto, como ontem ficou confirmado com mais uma dessas sondagens, a CNT/Sensus.

Como é relativamente desconhecida para o eleitor, reforça-se a hipótese de que o capital eleitoral do presidente, que agora vai ser turbinado com o filme Lula, o Filho do Brasil, está, sim, sendo ao menos parcialmente transferido para a sua pré-candidata. Até onde vai isso é e será motivo para intermináveis discussões entre os especialistas na matéria.

A questão é bem mais profunda do que simples transferência de força eleitoral. É preciso avaliar, também, o quanto do avanço da pré-candidata Dilma Rousseff nas pesquisas não é produto do eclipse eleitoral da oposição.

Já foi dito e repetido nesta coluna que a oposição não tem discurso, não tem bandeira, não sabe o que quer. Ela não discute e não tem opinião formada sobre nenhum assunto importante da República, seja ele as novas regras para o desenvolvimento do pré-sal, a posição a ser tomada nas conferências internacionais sobre o meio ambiente, a guinada em direção à maior participação do Estado na economia, a reforma política, a reforma previdenciária ou a reforma tributária. Há quatro anos, pelo menos, a oposição não consegue sustentar nenhum braço de ferro com o governo. Um a um, os entrechoques políticos se esvaziam ou se transformam em pizza. Os últimos foram a CPI do Mensalão, a Operação Satiagraha, a CPI da Petrobrás e as sinecuras do Senado Federal.

Lá uma ou outra voz identificada com a oposição ao governo Lula de vez em quando faz alguma observação crítica sobre a escalada da gastança federal. Mas não passa disso e morre por aí.

A oposição não só é conivente com a clara deterioração das contas públicas, como, também, concorre ativamente para intensificá-la. Qual foi a posição dos deputados do PSDB e do DEM, os maiores partidos da oposição, na votação do projeto de lei na Câmara Federal que acaba com o fator previdenciário? Ora, foi de aprovação clara e cabal a mais essa disparada no dispêndio público.

O governador José Serra, um dos pré-candidatos da oposição à Presidência da República, bem que ensaia a pregação de que essa política econômica, que supervaloriza o real e mantém os juros na órbita da lua, não presta e tem de mudar. Pode não prestar, mas é um sucesso, o povo gosta e não quer mudança. O povo até voltou a sonhar em ser funcionário público. De mais a mais, se não presta, foi a política montada pelo governo Fernando Henrique, do qual Serra fez parte. E, se tem de mudar, qual é a opção melhor a ser proposta pelo pré-candidato José Serra?

O apagão da oposição favorece mais o candidato do governo do que o próprio governo.

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